segunda-feira, novembro 27, 2006

O que todos já desejámos fazer...

Enviaram-me este mail e achei delicioso e muito real. Parece o meu quotidiano, em trabalho, nos últimos 3 meses. :-) Como eu entendo isto e tanto...


Patrícia Gomes - Directora de Recursos Humanos COMUNICADO PARA TODOS OS FUNCIONÁRIOS. Data: 2 de Dezembro Assunto: Festa de Natal

Tenho o prazer de informar que a festa de Natal da empresa será no dia 23 de Dezembro, com início ao meio-dia, no salão de festas privativo da Churrascaria Grill House. O bar estará aberto com várias opções de bebidas. Teremos uma pequena banda tocando canções tradicionais de Natal...sinta-se à vontade para se juntar ao grupo e cantar! Não se surpreenda se o nosso Vice-presidente aparecer vestido de Pai Natal! A árvore de Natal terá as luzes acesas às 13:00. A troca de presentes de "amigo secreto" pode ser feita em qualquer altura, entretanto, nenhum presente deverá exceder EUR10,00, a fim de facilitar as escolhas e adequar os gastos a todos os bolsos. Este encontro é exclusivo para funcionários e família. Na ocasião, o nosso Vice-presidente fará um discurso bastante especial. Feliz Natal para todos. Patrícia

Patrícia Gomes - Directora de Recursos Humanos COMUNICADO PARA TODOS OS FUNCIONÁRIOS. Data: 3 de Dezembro Assunto: Festa de Natal

De maneira alguma o memorando de 2 de Dezembro sobre a Festa de Natal pretendeu excluir os nossos funcionários judeus! Reconhecemos que o Chanukah é um feriado importante e que costuma coincidir com o Natal, mas isso não acontecerá este ano. Portanto, passaremos a chamá-la "Festa do Fim do Ano" pois teremos em conta também todos os outros funcionários que não são cristãos e aqueles que celebram o Dia da Reconciliação. Não haverá árvore de Natal. Nada de canções de Natal nem coral. Teremos outros tipos de música que agrade a todos. Felizes agora? Boas festas para vocês e suas famílias, Patrícia

Patrícia Gomes - Directora de Recursos Humanos COMUNICADO PARA TODOS OS FUNCIONÁRIOS. Data: 4 de Dezembro Assunto: Festa do Fim do Ano

Em relação ao bilhete (anónimo) que recebi de um membro dos Alcoólicos Anónimos solicitando uma mesa para pessoas que não bebem álcool... Terei todo o prazer em atender o pedido, mas, se eu puser uma placa na mesa a dizer "Exclusivo para os AA", vocês deixarão de ser anónimos, não será?... Como faço então? Quanto à troca de presentes, esqueçam. Não será organizada uma vez que os membros do sindicato acham que 10 euros é muito dinheiro e os executivos acham que 10 euros é muito pouco para um presente. Portanto não será organizada NENHUMA TROCA DE PRESENTES. De acordo? Patrícia

Patrícia Gomes - Directora de Recursos Humanos COMUNICADO PARA TODOS OS FUNCIONARIOS. Data: 5 de Dezembro Assunto: Festa do Fim do Ano

Mas que grupo heterogéneo o nosso!!! Eu não sabia que no dia 20 de Dezembro começa o mês sagrado do Ramadão para os muçulmanos, que proíbe comer e beber durante as horas do dia. Lá se vai a festa! Agora a sério, entendemos que um almoço nesta época do ano seja um problema para a crença de nossos funcionários muçulmanos..... Talvez a Churrascaria Grill House possa assegurar o serviço de buffet até à noite ou então, embalar tudo para vocês levarem para casa nas marmitas. Que acham? E agora mais novidades: consegui que os membros dos "Vigilantes do Peso" se sentem o mais longe possível do buffet das sobremesas; as mulheres grávidas poderão sentar-se o mais perto possível das casas de banho; os homossexuais podem sentar-se juntos; as mulheres homossexuais não terão que se sentar junto dos homens homossexuais, que terão uma mesa própria, e sim, haverá um arranjo de flores no centro da mesa dos homens homossexuais; teremos assentos mais altos para pessoas baixas; e estará disponível comida com baixas calorias para os que estão de dieta. Nós não podemos controlar a quantidade de sal utilizada na comida, portanto sugerimos que as pessoas com tensão alta provem a comida antes de comerem. E, claro, haverá mesas para fumadores e outras para não fumadores. Esqueci alguma coisa? Patrícia

Patrícia Gomes - Directora de Recursos Humanos COMUNICADO PARA TODOS FILHOS DA PUTA QUE TRABALHAM NESTA EMPRESA. Data: 6 de Dezembro Assunto: Festa do Fim do Ano da PORRA

Vegetarianos!?!?!??! Sim, vocês também tinham que dar a vossa opinião de merda ou reclamar de alguma coisa!... Nós manteremos o local da festa na Churrascaria Grill House; quem não gostar que se foda! Não vá, desampare a loja! Ou então, como alternativa, seus fedorentos, podem sentar-se afastados, na mesa mais distante possível da tal "churrasqueira da morte" - como vocês lhe chamam. E terão também a vossa mesa de saladas de merda, incluindo tomates ecológicos da casa do caralho & arroz pegajoso para comer com pauzinhos. Aqueles que, naturalmente, ainda não gostarem, podem enfiar tudo no cu. Mas como vocês devem saber, os tomates também têm sentimentos! Os tomates gritam quando vocês os cortam em fatias. Eu mesma os ouvi gritar! Eu estou a ouvi-los gritar agora mesmo!!!!! Ah, espero que vocês todos, mas todos, os parvos dos crentes e os cretinos dos ateus, os paneleiros, as fufas, as mariquinhas das prenhas, os estupores dos fumadores e os chatos dos não fumadores, os cobardes dos bêbedos anónimos e os fedorentos dos vegetarianos, todos vocês sem excepção, tenham uma merda de fim de ano! E que guiem bêbados e morram todos, todinhos espatifados e esturricados por aí. Entenderam? Da Vaca, directamente para a puta que os pariu.

João Pacheco - Director de Recursos Humanos INTERINO COMUNICADO PARA TODOS OS FUNCIONÁRIOS Data: 9 de Dezembro Assunto: Patrícia Gomes e a Festa do Fim do Ano

Tenho a certeza que falo por todos nós desejando para a Patrícia um rápido estabelecimento para a sua crise de stress e podem estar certos que me encarregarei de lhe enviar as vossas mensagens para o sanatório. Venho comunicar que a direcção decidiu cancelar a Festa do Fim do Ano e dar folga remunerada a todos os funcionários na tarde do dia 23 de Dezembro. Boas Festas, João Este email é confidencial e destina-se somente ao seu destinatário. Qualquer opinião expressa é da responsabilidade do autor e não representa necessariamente as opiniões da Honda Portugal ou qualquer uma das empresas do grupo Honda. Se não é o destinatário deste e-mail, recebeu-o por erro sendo o seu uso, divulgação, encaminhamento, impressão ou cópia, estritamente proibido.A Honda relembra que a responsabilidade ambiental é um papel de todos nós. Não imprima este e-mail, a não ser que realmente necessite de uma cópia em papel

Boa, Patrícia! Louca, mas com "cojones" para fazer uma coisa dessas! Muito sã, é o que ela é! Já fiz algo parecido, mas a Patrícia passou-me à frente, de longe!

domingo, novembro 26, 2006

"Sentir é uma maçada."

"O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal na prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade. Ora há duas coisas que estorvam a acção - a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda a acção é, por sua natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir, e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir.
Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias. Quem simpatiza pára. O homem de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte (...) como uma pedra sobre que passa ou afasta do caminho, ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois como à pedra, ou se afastou ou se passou por cima.

Que seria do mundo se fôssemos humanos? Se o homem sentisse deveras, não haveria civilização." Bernardo Soares, quem mais?

Estou a tornar-me cínica? Acho que não... Espero que não. But (there's always a "butt"...), o que é que se passa com as pessoas? O que é que se passa comigo? Estarei "doente"? Estarei a ficar cega? Às vezes, não vejo nenhuma luz. E quando vejo uma luz, quase não vejo ninguém a dizer - "stay away from the light!". Porquê? Será que alguém tem uma resposta? Porque, pelo menos uma vez, gostaria de obter "uma" resposta, não "a" resposta. O mundo está cheio de certezas, já tinha, algures, pensado nesta questão. Mas não com tanta certeza como nos últimos dias... Tudo é relativo, é verdade. Mas relativo a quê, a quem? À nossa própria pessoa? Relativismo direccionado para o próprio relativista? Bem vindos aos R.A - relativistas anónimos. Ou aos A.A - acertados anónimos. Nunca me senti tão desacertada por estar rodeada de gente tão acertada. E será que eu, esquizofrénica como sou, sou desacertadamente acertada, sem o entender? HELP

Toda a gente parece ir ao encontro de alguém, de qualquer coisa. Contudo, nunca vi tanta gente esquiva a tentar acertar acertadamente em algo ou alguém. O que conta, sugerem-me estes esquivos, é dizer que vamos ao encontro de A, B e/ou C e D. Vamos, é o que importa. É assim! As pessoas correm e correm, mas não percebo porquê ou para quê. Estão atrasados para algum encontro? Estão fugir de um desencontro? Correm para não ser apanhados? Ou serão apanhados por estarem a correr? Grandes pancadas... Será que, estrategicamente seguindo à regra todas as normas e regras sociais, não será, justamente para fugir e rejeitar essas mesmas regras? Cinicamente, damos o nosso aval a todas as regras sociais e, claramente, apontamos o dedo aos que, convictamente, desprezam, realmente, as conveniências sociais. E esses, os convictos, são os "doentes", são os "cínicos", são os outros. Nunca somos nós. E, ainda que falando de outros, projectamos e estamos sempre a falar de nós. Somos o eixo da nossa vida. E neste momento, sim, falo sobre mim, para mim e para mim. Se ilustrasse esta (a)firmação, usaria a imagem da cabeça de Carrie a rodopiar sobre si mesma. God, I could use myself a drink...

Sendo um pouco fedorenta, o que me recorda que tenho um banho para tomar... "eles falam, falam e falam, e falam..." e não dizem nada. Ou, como dizia outro fedorento que em tempos conheci, eles são jovens, não sabem. São? Jovens? E, não sabem? Até hoje, ainda não encontrei alguém que nada soubesse, excepto o Sócrates. Não o nosso P.M! O outro...Eu não sou anti-socrática! Pois Anti-socrático é o que não dá valor à sua ignorância, o que não reconhece sequer que não sabe: aquilo que ignora é transmitido como se não existisse. Porque, bem à superfície, seria mais fácil se pensássemos que ignoramos mais do que sabemos... Por outro lado, além de Socrática, só muito Cartesiana. O que faz com que, automaticamente, eu ponha em caso tudo o que aqui disse. No meu entender, não faz mal dizer. Só dizendo as coisas, aos outros, além de a mim própria, conseguirei "visualizar" alguma coisa e tentar analisar o que disse, o que não disse, o que não deveria ter dito e o que jamais direi ou voltarei a dizer... Yet, é complicado. Pois, parece-me que ninguém está disposto a ouvir o que tenho para dizer. En garde! Comecem os jogos! Começam as trocas de palavras, os dissabores, os tremores, a defesa das "honrarias", o reconhecimento e associação imediata com as várias "confrarias" criadas, justamente, para esses momentos de histeria. Já lá vai longe a época do "perguntar não ofende", "amigo não empata amigo", "diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és"... e so and so. Confusa a escolha das "frases idiomáticas", porém, cada vez mais sintomáticas. Perguntas algo, porrada levas. Dizes algo a um amigo, isto é, algo que te (pre)ocupa, que, julgo eu, deveria mostrar que te pre(ocupas), levas porrada. Enfim, só uma nódoa negra andante. E bem negra.

Well, I see "dread" people. Está tudo na boa, são todos os maiores e se não está tudo na boa, leva-se na boa. Porque nem sempre se pode estar na boa, leva-se tudo na boa, just in case. Lá está, porque "é assim", a vida e ninguém é perfeito. Por isso, há quem pense que eu deveria levar a vida na boa e deixar de me armar em boa. Amigos, só se estivesse com a "broa". E não estou. Por isso, numa de boa fé, já que estamos numa de b(r)oas, permitam-me discordar das vossas certezas, manifestando claramente as minhas incertezas. Se, vocês, criaturas, se sentirem indefesas, não se preocupem, há sempre uma certeza em cima da mesa para usar: a certeza de que, por mais incertos que estejamos, temos sempre a hipótese de dar um pontapé na mesa e fazer com que tudo volte à estaca zero. As cartas estão todas baralhadas, já nenhum dos jogadores têm uma boa mão e, a única opção, é começar um novo jogo. Afinal, não se pode parar. Porque parar é sentir, sentir é reflectir e nós não queremos isso, do we?

E... lá se foi mais um poeta. Dele, bem, só conhecia o seu nome e pouco mais. Por isso, deixo falar o próprio:

PASTELARIA

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio

nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante

- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo:
fechar os olhos frente ao precipício e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz?

E amanhã há bola antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome

porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:

Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
-Mário Cesariny(1923-2006)

p.s - sabiam que os sem-abrigo, a maioria, vive na rua por opção? Disseram-me há dias, este facto claro e evidente que eu desconhecia. E então, finalmente, "vi, claramente visto"...

terça-feira, novembro 21, 2006

There is still life - parte 3

Todavía quedan restos de humedad
sus olores llenan y mi soledad
en la cama su silueta si dibuja cual promesa
de llenar el breve espacio en que no está.
Todavía yo no so sé si volverá
nadie sabe al día siguiente lo que hará
rompe todos mis esquemas
no confiesa ni una pena
no me pide nada a cambio
de lo que da.

Suele ser violenta y tierna
no habla de uniones eternas
mas se entrega
cual si hubiera sólo un día para amar.

No comparte una reunión
mas le gusta la canción
que comprometa su pensar.

Todavía no pregunté: te quedarás
temo mucho a la respuesta de un jamás
la prefiero compartida
antes de vaciar mi vida
nos es perfecta mas se acerca
a lo que yo simplemente soñé.

Pablo Milanés - "El Breve Espacio" - o teu espaço, Cátia

There is still life - parte 2

People just ain't no good
I think that's welll understood
You can see it everywhere you look
People just ain't no good

We were married under cherry trees
Under blossom we made pour vows
All the blossoms come sailing down
Through the streets and through the playgrounds

The sun would stream on the sheets
Awoken by the morning bird
We'd buy the Sunday newspapers
And never read a single word

People they ain't no good
People they ain't no good
People they ain't no good

Seasons came, Seasons went
The winter stripped the blossoms bare
A different tree now lines the streets
Shaking its fists in the air
The winter slammed us like a fist
The windows rattling in the gales
To which she drew the curtains
Made out of her wedding veils

People they ain't no good
People they ain't no good
People they ain't no good at all

To our love send a dozen white lilies
To our love send a coffin of wood
To our love let aal the pink-eyed pigeons coo
That people they just ain't no good
To our love send back all the letters
To our love a valentine of blood
To our love let all the jilted lovers cry
That people they just ain't no good

It ain't that in their hearts they're bad
They can comfort you, some even try
They nurse you when you're ill of health
They bury you when you go and die
It ain't that in their hearts they're bad
They'd stick by you if they could
But that's just bullshit
People just ain't no good

People they ain't no good
People they ain't no good
People they ain't no good
People they ain't no good at all

Nick Cave &The Bad Seeds - Letra de Nick Cave

There is still life - parte 1

You must be wondering how
The boy next door turned out
Have a care, But don't stare
Because he's still there

Lamenting policewomen policemen silly women taxmen
Uniformed whores, They who wish to hurt you, Work within the law
This world is full, So full of crashing bores
And I must be one, 'Cos no one ever turns to me to say
Take me in your arms, Take me in your arms,
And love me

You must be wondering how The boy next door turned out
Have a care, And say a prayer
Because he's still there

Lamenting policewomen policemen silly women taxmen
Uniformed whores, Educated criminals, Work within the law
This world is full, Oh oh, So full of crashing bores
And I must be one, cos no one ever turns to me to say
Take me in your arms, Take me in your arms
And love me, And love me

What really lies, Beyond the constraints of my mind
Could it be the sea, With fate mooning back at me
No it's just more lock jawed pop stars
Thicker than pig shit, Nothing to convey
They're so scared to show intelligence
It might smear their lovely career

This world, I am afraid, Is designed for crashing bores
I am not one, I am not oneYou don't understand, You don't understand,
And yet you can Take me in your arms
and love me, Love me, And love me
Take me in your arms and love me, Love me, love meTake me in your arms and love me, Take me in your arms and love me Would you do, Would you do, What you should do

Morrissey, You R' The Quarry Album

sexta-feira, novembro 17, 2006

Hail to the Thief ou a sede de p(f)oder

«Em certas sociedades tradicionais estudadas pelos antropólogos, a palavra dos poderosos não vem deles mas sim dos antepassados que se exprimem através deles. Estes dizem a Lei que será traduzida em mandamentos. O imaginário informa o governo do real. Nas cidades da modernidade avançada, a validação é explicitamente "técnica", e a graus diversos, ideológica. Parece ter eliminado o imaginário, torna-se mais explicativa, na aparência. Com efeito, o discurso técnico alterou principalmente o modo de produção das imagens e dos efeitos.

A linguagem do poder contribui necessariamente para tornar manifestas as diferenças sociais, em primeiro lugar as que separam os governantes dos governados. Por vezes, ao ponto extremo de a palavra política já não se transmitir directamente, mas através de intermediários. Nalgumas realezas antigas da África, o soberano nunca se exprimia, nem ouvia nunca sem recorrer a um porta-voz.
As palavras do poder não circulam da mesma maneira que as outras. A esta característica está ligada uma segunda. A que faz da linguagem política - não obstante as impressões contrárias que levam a identificá-la ao barulho, ao vento, ao vazio - uma linguagem que devemos dizer contida. Estabelece por necessidade uma comunicação calculada, tende para efeitos precisos; não revela senão uma parte da realidade, porque o poder deve também a sua existência à apropriação da informação, dos "conhecimentos" requeridos para poder governar e administrar, para exercer uma dominação. Os governantes são pessoas de segredos, por vezes justificado pela razão de Estado; e os governados sabem que "certas" coisas lhes são escondidas". A arte do silêncio faz parte da arte da política. (...) A prolixidade sobre o acessório oculta o essencial, e parte ou no todo.» (Balandier;1992:29-30)

Vivemos numa era, em que, apesar de muito ou muitos escreverem e dizerem, há uma grande escassez de informação, de palavras com sentido, de imagens reais. As novas tecnologias depressa deixam de ser novas, de forma tão veloz e precoce, que muitas já são obsoletas sem chegarem a sair do papel ou do imaginário do inventor. No entanto, à medida que a tecnologia avança e invade as nossas vidas, com a nossa permissão, sabemos e vemos cada vez menos, mas julgamos saber e ver cada vez mais. Agora, até sentados na casa de banho de uma tasca ou no banco traseiro de um coche, podemos ver filmes, notícias, imagens "reais". Já dizia Shakespeare, que o mundo era um palco. Vivemos num mundo de representações, de encenações, em que reina a "teatrocacia" (como lhe chama Balandier) e não a democracia, que muitos desejam levar, para bem do mundo... cada vez mais longe. E com tanta representação, tanto teatro, todos queremos ser actores e dos bons. O protagonista, o que confronta e derrota o vilão.

Mas já lá vai a altura dos "westerns spaghetti", do Jonh Wayne ou do Stallone que, só com uma bala, limpavam o sebo a 5 cinco tipos, ao mesmo tempo. Eu prefiro o estilo Clint Eastwood, menos ou nada amado por quase todos, odiado por alguns, temido por muitos e um alvo a abater quanto antes. Gosto da sua voz rouca, das poucas falas que tem e do muito que diz quando não fala. O silêncio é de facto uma arma de poder, que pode ser usada positiva e/ou negativamente. E está ao alcance de muitos nós. É uma opção que nem sempre é considerada. O medo do silêncio confrangedor, do nada ouvir ou o de nada ter para dizer. Por isso a existência e prevalência, em muitas situações, da mentira. Muitos preferem ouvir mentiras em vez da verdade, ou de nada ouvirem.
Nascemos a berrar, crescemos a refilar, continuamos a nossa vida a berrar e terminamos a guinchar, a espernear, a gritar ou, com muita sorte, em silêncio e a sorrir. Não há corda vocal que aguente tanto esforço. E se a linguagem do poder, não circula da mesma maneira que a linguagem per si, porque não tentar outras vias?

Se pudesse saber o número exacto de palavras que já disse até hoje... Se calhar não seria assim tão elevado; muitas foram as alturas em que me mantive em silêncio e por diferentes razões:
por não ter acesso ou autorização para o uso da palavra, por achar que nem todas as palavras do mundo iriam surtir algum efeito, por ficar muitas vezes sem palavras, sem saber o que dizer, porque na ausência das palavras outras coisas se sobrepõem, como a linguagem gestual, corporal, o contacto e comunicação através do olhar e porque o silêncio no meio de uma enchente de palavras vazias, ecoa mais longe e mais forte do que qualquer força que se lhe oponha. O silêncio ultrapassa a velocidade do som, não tem limites. Ele é nosso, está no nosso âmago, funciona como uma arma secreta, porque não se vê. Mas sente-se tão bem, e lá no fundo, ganha formas tremendas e vence e cura males julgados invencíveis. Como lisina, que escorre pelas veias corrompidas dos corruptos e, lentamente, dissolve as bactérias responsáveis por tal corrupção. As palavras são prostitutas da linguagem, suas reféns. Podem ser penhoradas. Uma palavra errada e estamos nas mãos do inimigo. E a prostituição continua. E se hoje já se concorda em discordar, porque não concordar na escolha da ausência de apresentação de qualquer consonância ou dissenção?

Falam-se de valores, de princípios. Quais? Onde? Não os vejo. O que é feito da honra? E vergonha? A sociedade tem as suas regras de conduta, os seus regulamentos sociais, sancionam as regras, recompensam os que obedecem e punem os que delas se afastam. Por isso, todos aquiescem, com medo de represálias, por falta de arbítrio, por conformidade, porque na hora da verdade, os pavões perdem o brilho das suas penas. É pena... Passamos do silêncio dos inocentes para o silêncio dos indecentes. Deixa de haver oposição, de facto, nunca existiu oposição. Existiu uma representação cómica e alargada, através do uso de meias-palavras, de frases (des)feitas. Por vezes, o cómico é substítuido pelo drama, este também alargado, barulhento, ruidoso, que ofusca, confunde, (des)ilude e perde-se no ar. Quando chega a altura de assentar, nem se vê a poeira... E tudo o vento levou.

Are you such a dreamer
To put the world to rights?
I'll stay home forever
Where two and two always makes five

I'll lay down the tracks
Sandbag and hide
January has April's showers
And two and two always makes five

It's the devil's way now
There is no way out
You can scream and you can shout
It is too late now
Because!You have not been
Payin' attention
Payin' attention
Payin' attention

I try to sing along
But the music's all wrong
'Cause I’m not
'Cause I’m not
I swat 'em like flies
but like flies the buggers keep coming back and NOT

But I’m not
All hail to the thief All hail to the thief
But I'm not But I'm not
Don't question my authority
or put me in the dock
'Cause I'm not' Cause I'm not
Oh go and tell the king that the sky is falling in
When it's not
But it's not But it's not
Maybe not Maybe not

Radiohead - 2+2= 5


terça-feira, novembro 14, 2006

if there's a heaven and God I hope there is, I know he's sitting up there, drunk as a fucking monkey and smoking shit.'cause left his pains down here

« I think now, looking back, we did not fight the enemy; we fought ourselves. The enemy was in us. The war is over for me now, but it will always be there, the rest of my days. As I'm sure Elias will be, fighting with Barnes for what Rhah called "possession of my soul." There are times since, I've felt like a child, born of those two fathers. But be that as it may, those of us who did make it have an obligation to build again. To teach to others what we know, and to try with what's left of our lives to find a goodness and a meaning to this life. »

20 anos depois disto ter sido dito, o que é que mudou? Eu mudei...

Eco-Grafia

O sofrimento, sendo este, à partida, algo "negativo" ou pesado, nem sempre é negativo. Isto é, por exemplo, amar também é sofrer. E, por vezes, só sofrendo, é que nos apercebemos que sentíamos amor por alguém, qual a sua intensidade, qual o seu papel fulcral na nossa existência. E nunca é tarde para amar, e tal como não existe a altura perfeita ou exacta para descobrir o amor, o sofrimento também aparece inesperadamente. Da mesma forma, ambos desaparecem sem darmos conta. Ainda mais arrojado, muitas vezes, ambos vêm lado a lado ou um encobrindo o outro. É um kit completo - "how to live and let die every single minute", mas sem o auxílio do Mr. Q., do James Bond. Mas não é por isso que a vida deixa de valer a pena ou de fazer sentido. Isto é, para mim. Há mil e uma maneiras de sofrer e de amar, de viver e de morrer. O sentido da vida, talvez seja fazer o melhor percurso ou caminho possível até à morte,conclusão da vida. Não podemos é viver ou não deveríamos era viver "suspensos", à espera da morte. Existindo, a morte, está lá. Sempre. Existir desistindo, é não existir. É insistir em ser levado antes do nosso tempo. "Desistir" por não nos deixarem existir, é viver. Porque escolher morrer quando não se vive, é gritar bem alto que existimos. E deixamos vago o nosso espaço, para outros existirem e insistirem.

Não deixei de ouvir as músicas que me fazem lembrar a minha mãe ou outras pessoas queridas, estejam elas vivas ou não. Longe da vista, longe do coração, comigo, não funciona. A menos que desligue. Se me desligar de alguém, é tão difícil voltar a ter uma ligação. É como a bateria do meu telemóvel... :-) vai-se abaixo muito rápido e este, o aparelho, desliga-se, sem dar aviso, sem dar sinal. Quando ouço as ditas músicas ou vejo certos filmes, muitas vezes, sofro. Mas é um sofrimento "bom", mantém-me viva, espicaça-me, faz-me ir ao fundo, durante uns segundos e depois, quando volto à superfície, sinto-me mais leve. Lembro-me de um "idiota" (um parvo cheio de ideias...), dizer uma frase feita, mas que faz todo o sentido: nós somos como uma caderneta. Temos os espaços para os cromos, da nossa colecção e vamos lá colando cromos e mais cromos. A dada altura, temos cromos repetidos. O que fazer? Trocar de cromos, com outros coleccionadores. Daí a necessidade de o ser humano relacionar-se com os outros, porque corre o risco de ter a sua caderneta gordíssima e troca os cromos consigo mesmo. Isto é, não há uma troca, há sim, um repetir constante das coisas, há uma vida cheia de coisas vazias... Por isso, hoje, eu dou-te amor, amanhã, tu dar-me-às torpor, ontem, ele deu-me vontade, outrora, nós demos felicidade, às vezes, vós dáveis generosidade e nem sempre eles dão a verdade. E em vez do tão nosso "vai-se andando", podíamos dizer - "vou dando". Tantos "E's" (iis) ...

Cada vez que ouço a primeira ou última música da banda sonora do Platoon, sinto "as" contracções. Algo (re)nasce em mim, visualizo "parte" de mim outrora "partida", como a Fénix (re)nascida das cinzas. Estou a pôr o cd, neste instante... lá vem a 1ª música e o meu coração saltou. Estou viva...

p.s - continuo a ouvir o cd e este diz-me que a vida continua. Foi mais um falso alarme. Até a morte tem horários, apesar de ter isenção. Mas, às 12.25, ela foi almoçar. Turnos tão longos requerem muita energia...

With your E's
And your ease
And I do one more
Need a lip gloss boost
In your america
Is it God's
Is it your's
Sweet saliva

With your E's
And your ease
And I do one more
I know we're dying
And there's no sign of a parachute
We scream in cathedrals
Why can't it be beautiful
Why does there gotta be a sacrifice
Gotta be a sacrifice

Just say yes
You little arsonist
You're so sure you can save
Every hair on my chest
Just say yes
You little arsonist
With your
With your E's
And your ease
And I do one more

Well I know we're dying
And there's no sign of a parachute
In this chapel
Little chapel of love
Can't we get a little grace
And some elegance
No we scream in cathedrals
Why can't it be beautiful
Why does there gotta be a sacrifice
Gotta be a sacrifice
Gotta be a sacrifice

Tori, sempre, Tori Amos, "From the choirgirl hotel" - iieee

sexta-feira, novembro 10, 2006

Sinto-me vazia...

Tive um daqueles dias infindáveis. Comecei-o, salvo erro, a falar sobre o sentido da vida. E, poucas horas depois, senti a vida fugir de mim. Apesar de sentir as entranhas a revolverem, dentro de mim, ao mesmo tempo, parecia um balão a esvaziar-se e a percorrer um vasto espaço, sem fim. Foi como se eu tivesse passado o dia debaixo de água, a suster a respiração, batendo todos os recordes e quando vim ao de cima, não estava lá ninguém para corroborar o meu feito. Senti o espaço à volta do meu coração apertar, ficando cada vez mais exíguo e senti o seu sangue, do coração, a vazar, lenta e dolorosamente, como azeite escorrendo das minhas veias: espesso e magoando-me. As minhas vísceras "acumularam-se" e manifestaram-se pelo meu corpo. Sentia-as por todo o lado e recusavam-se a dar-me tréguas. Agarrei-me ao meu ventre até à última. Fechei os olhos, cantei, encantei e não ouvi nenhum canto. Como eu ansiava por um canto... Já dizia um "poeta popular", há dias, "dói-me a vida." E hoje, apercebi-me disso, de que me doía a vida. Doía-me a alma. Não consigo encontrar calma, só vejo tormenta à frente e, apesar de chorar por dentro e por fora, só me apetece morder, bater, pontapear alguém. Esse alguém, contudo, tem nome. Está no topo da minha lista. Ele(a) não o sabe. Nem eu sabia que tinha uma lista. Mas hoje, assim de repente, descobri que tenho um livrinho preto. Não é tão gracioso como um Moleskine, mas tem um peso e uma força quase bíblica. Tal e qual um ex-espião que, perde a sua memória e, num acontecimento traumático, (re)descobre a sua identidade, eu, hoje, descobri a verdade: a minha vida é uma novela. E, o argumento, parece ser fraco. Mas eu, desempenho um papel essencial. E, contra factos, não há argumentos.

Vou dormir sobre o assunto.

quinta-feira, novembro 09, 2006

O sentido da vida, Kupessa?

Questões como esta devem estar a passar, neste momento, pela cabeça de um amigo, de um irmão meu. A sua mãe morreu, há quase dois dias, ele soube ontem de manhã. Ele, foi encontrado, de manhã, estendido no chão de casa a chorar. Pensava-se que estava a brincar... A sua mãe, está longe, sempre esteve, mas o seu coração esteve sempre perto do dela. O seu maior desejo e objectivo de vida, era estar com ela, fisicamente, viver debaixo de um mesmo tecto. E aí, ver a sua cara, voltar a conhecer os contornos do seu rosto, sentir o seu odor corporal, passar a mão pelos seus cabelos, outrora noviços e brilhantes. E quem sabe, passar o resto da sua vida, ao seu lado. Separados muito cedo, poucas recordações ele guarda dela. Mas são boas e são essas que nos fazem continuar a nossa vida. Dizia-me ele, "quando eu fazia asneiras, de criança, ela não me batia, pois se eu chorava ela também chorava comigo." As suas lágrimas andavam sempre juntas. Achei isto tão bonito... E estava tão perto, a concretização do sonho dele, do seu objectivo. E de repente...desapareceu no ar. O mesmo ar onde ecoavam as palavras trocadas entre os dois, entre uma mãe e um filho que, a vida levou para longe, para mais tarde voltar... De uma maneira estranha, ele poderá, contudo, espreitar os contornos da face da mãe e, quem sabe, reconhecer-se a si mesmo, nesses mesmos contornos. E, poderá dizer que, apesar de tudo, tiveram um último encontro, em territórios diferentes, igualmente distantes e semelhantes aos milhares de quilómetros que os separavam, mas a vontade de lá estar, perto dela, é muito maior, dolorosa e mais poderosa...

"A butterfly flies through the forest rain
And turns the wind into a hurricane
I know that it will happen
'Cause I believe in the certainty of chance
A schoolboy yawns, sits back and hits return
While round the world computers crash and burn
I know that it will happen
'Cause I believe in the certainty of chance
And I believeI can see it all so clearly nowYou must go and I must set you free
'Cause only that will bring you back to me
I know that it will happen
Because I believe in the certainty of chance

Sometimes at night the darkness and silence weighs on me. Peace frightens me. Perhaps I fear it most of all. I feel it's only a facade, hiding the face of hell. I think of what's in store for my children tomorrow; "The world will be wonderful", they say; but from whose viewpoint? We need to live in a state of suspended animation, like a work of art; in a state of enchantment... detached. Detached. " - The Divine Comedy

sexta-feira, novembro 03, 2006

A vida, sem aspas,

não teria piada nenhuma. No entanto, existem mais coisas além das aspas, sem as quais ela perderia piada, a vida. Os pontos de interrogação, de exclamação, as reticências, os travessões, os hífenes,os parêntesis... E por piada, entenda-se, desafio, emoção, comoção, desilusão, ilusão, confusão, distracção, acção, opinião, comunicação, relação, ralação, tédio, alegria, movimento, inércia, torpor, inépcia, mentiras, verdades, infidelidades, irmandades, dor, horror, amor... Tanta coisa... Sem as aspas, como poderia ser possível, muitas vezes, distinguir as coisas? Estejam elas presentes ou não, as aspas, elas dão um certo tom, um timbre, às coisas. E, cada um, apanha o tom como bem entender. Alinhados, afinados, desafinados ou desalinhados, cada um lá chegará. Ou não...

Faz tudo parte da vida. Pelo menos da minha faz. Encaro todas estas frentes, da mesma maneira: partindo sempre de mim e voltando, acompanhada ou não, para mim. Eu sou o ponto que completa a circunferência, a minha existência.

Diz um tipo esperto, "everybody see pain and walk away" Eu não. Somos amigas há muito tempo. E já temos dado umas boas gargalhadas juntas. Digo isto sem reticências ou aspas, mas antes com um _________________
ponto final

Sonhos maus, sonhos meus

Contorço-me, sinto o meu corpo estremecer e ao mesmo tempo, encolher. É uma sensação angustiante, desgastante, estou em luta. Dies irae... São vários os inimigos, é só um o objectivo: sobreviver. Como? Acordando... Mudo de posição na cama, várias vezes. Nenhuma parece cómoda, aliás, não estou numa cama, mas sim num campo de batalha. Que bizarro... Somos muitos, na mesma cama, no mesmo campo de batalha. E o objectivo, afinal, não é somente sobreviver, mas sim, conquistar o campo de batalha, a cama. Sê resiliente... Os lençóis, definem os limites do campo de batalha, da área a defender ou a ocupar. Quero ambos os lados do território. Vou pôr-me na pele do inimigo, quero esfregar-me so seu pêlo. Neste misto de sensações, há também excitação, um desejo de conhecer o conhecido inimigo, o familiar perigo.
As almofadas, são pontos estratégicos, torres de vigia. Os nós dos lençóis, são pequenas armadilhas, subtis. Mas, se tivermos alguma argúcia mental, podem ser transformados em bunkers. Ocupamos esses locais e, bum, o inesperado acontece. Que genial, diriam alguns. No entanto, a famosa técnica do quadrado (pensava implementá-la), poderá falhar. A cama, aliás, o campo de batalha, é rectangular. O círculo fecha-se, o meu corpo encerra-se sobre mim. A minha cara encolhe, sinto a pele colada aos ossos do meu rosto, não tenho mais ressoadores, não há espaço dentro da minha boca, para criar sons, emiti-los e fazer com que ecoem até ao canto mais seguro. Os meus pés, estão frios. Necessito que estejam quentes e a única alternativa é roçá-los com força nos lençóis, correndo o risco de ir longe de mais e sair do campo de batalha a meio, sem dar luta. Mas, contudo, num só movimento, posso fazer com que não perca os sentidos, o meu juízo: manter-me-á alerta.
Ainda não posso acordar. Sinto os passos deles, delas, de todos. Rastejam, também. Preciso de encontrar um ponto de concentração, um foco. Lembrei-me! As almofadas! É isso! Viro a almofada, sinto o outro lado, está mais frio, fico mais desperta. As ideias começam a voltar. Arranjo o pijama, pois mesmo em campo de batalha, em tempo de guerra, a farda tem que estar sempre impecável. Aprendi isso muito cedo. É de fanela, a farda. Isso pode ajudar. Tornando-se demasiado quente, faz-me suar e com o frio da almofada, em conjunto, sentirei arrepios. Mais um impulso, uma pequena réplica de um choque eléctrico. Dou mais um nó às calças, ajusto a parte de cima, mas, algo me diz que, talvez seja melhor tirar uma das duas partes. Parecem muito simples, os nobres ensinamentos de postura correcta, asseio, decência, rectidão, mas nada como dar mesmo o corpo ao manifesto, sentindo na pele tudo o que se passa à volta. Removo a farda, não tenho tempo de a dobrar, fica a um canto. Não a posso perder, contém provas da minha luta e resolvo seguir, pelada. E a cara? Vais deixar que continue contorcida? Pensa, soldado. Um disfarce, umas pinturas de guerra, qualquer coisa... A solução encontrada, uma solução aquosa e, por vezes, salina, limpída, transparente e sai de dentro de mim. Escorre pela minha face, ninguém percebe como é que consegui introduzir tal elemento sem ninguém se aperceber e, sem eles darem conta, o campo de batalha está inundado e eu, aproveito um ponto estratégico e nele flutuo. Agora percebo porquê... Tanta gente dorme rodeada de almofadas. Uma só não chega. Duas ou mais, podem ser a nossa salvação. Estando já em porto seguro, no lado oposto do campo de batalha, da minha cama, encontro outra almofada. Toco nela. Está gelada. Sinto um tremor, sinto um espasmo no meu diafragma, aspiro o ar sofregamente, algo passa pela glote. Soluço... Acordo, estou viva. Era mais um sonho, era mais uma noite, era mais uma batalha, era mais um dia. A guerra, irá continuar. A peleja, está ganha. O, Lacrimosa...

De Profundis, ainda não chegou a tua vez. Inspiro mais uma vez. E outra...