sexta-feira, novembro 17, 2006

Hail to the Thief ou a sede de p(f)oder

«Em certas sociedades tradicionais estudadas pelos antropólogos, a palavra dos poderosos não vem deles mas sim dos antepassados que se exprimem através deles. Estes dizem a Lei que será traduzida em mandamentos. O imaginário informa o governo do real. Nas cidades da modernidade avançada, a validação é explicitamente "técnica", e a graus diversos, ideológica. Parece ter eliminado o imaginário, torna-se mais explicativa, na aparência. Com efeito, o discurso técnico alterou principalmente o modo de produção das imagens e dos efeitos.

A linguagem do poder contribui necessariamente para tornar manifestas as diferenças sociais, em primeiro lugar as que separam os governantes dos governados. Por vezes, ao ponto extremo de a palavra política já não se transmitir directamente, mas através de intermediários. Nalgumas realezas antigas da África, o soberano nunca se exprimia, nem ouvia nunca sem recorrer a um porta-voz.
As palavras do poder não circulam da mesma maneira que as outras. A esta característica está ligada uma segunda. A que faz da linguagem política - não obstante as impressões contrárias que levam a identificá-la ao barulho, ao vento, ao vazio - uma linguagem que devemos dizer contida. Estabelece por necessidade uma comunicação calculada, tende para efeitos precisos; não revela senão uma parte da realidade, porque o poder deve também a sua existência à apropriação da informação, dos "conhecimentos" requeridos para poder governar e administrar, para exercer uma dominação. Os governantes são pessoas de segredos, por vezes justificado pela razão de Estado; e os governados sabem que "certas" coisas lhes são escondidas". A arte do silêncio faz parte da arte da política. (...) A prolixidade sobre o acessório oculta o essencial, e parte ou no todo.» (Balandier;1992:29-30)

Vivemos numa era, em que, apesar de muito ou muitos escreverem e dizerem, há uma grande escassez de informação, de palavras com sentido, de imagens reais. As novas tecnologias depressa deixam de ser novas, de forma tão veloz e precoce, que muitas já são obsoletas sem chegarem a sair do papel ou do imaginário do inventor. No entanto, à medida que a tecnologia avança e invade as nossas vidas, com a nossa permissão, sabemos e vemos cada vez menos, mas julgamos saber e ver cada vez mais. Agora, até sentados na casa de banho de uma tasca ou no banco traseiro de um coche, podemos ver filmes, notícias, imagens "reais". Já dizia Shakespeare, que o mundo era um palco. Vivemos num mundo de representações, de encenações, em que reina a "teatrocacia" (como lhe chama Balandier) e não a democracia, que muitos desejam levar, para bem do mundo... cada vez mais longe. E com tanta representação, tanto teatro, todos queremos ser actores e dos bons. O protagonista, o que confronta e derrota o vilão.

Mas já lá vai a altura dos "westerns spaghetti", do Jonh Wayne ou do Stallone que, só com uma bala, limpavam o sebo a 5 cinco tipos, ao mesmo tempo. Eu prefiro o estilo Clint Eastwood, menos ou nada amado por quase todos, odiado por alguns, temido por muitos e um alvo a abater quanto antes. Gosto da sua voz rouca, das poucas falas que tem e do muito que diz quando não fala. O silêncio é de facto uma arma de poder, que pode ser usada positiva e/ou negativamente. E está ao alcance de muitos nós. É uma opção que nem sempre é considerada. O medo do silêncio confrangedor, do nada ouvir ou o de nada ter para dizer. Por isso a existência e prevalência, em muitas situações, da mentira. Muitos preferem ouvir mentiras em vez da verdade, ou de nada ouvirem.
Nascemos a berrar, crescemos a refilar, continuamos a nossa vida a berrar e terminamos a guinchar, a espernear, a gritar ou, com muita sorte, em silêncio e a sorrir. Não há corda vocal que aguente tanto esforço. E se a linguagem do poder, não circula da mesma maneira que a linguagem per si, porque não tentar outras vias?

Se pudesse saber o número exacto de palavras que já disse até hoje... Se calhar não seria assim tão elevado; muitas foram as alturas em que me mantive em silêncio e por diferentes razões:
por não ter acesso ou autorização para o uso da palavra, por achar que nem todas as palavras do mundo iriam surtir algum efeito, por ficar muitas vezes sem palavras, sem saber o que dizer, porque na ausência das palavras outras coisas se sobrepõem, como a linguagem gestual, corporal, o contacto e comunicação através do olhar e porque o silêncio no meio de uma enchente de palavras vazias, ecoa mais longe e mais forte do que qualquer força que se lhe oponha. O silêncio ultrapassa a velocidade do som, não tem limites. Ele é nosso, está no nosso âmago, funciona como uma arma secreta, porque não se vê. Mas sente-se tão bem, e lá no fundo, ganha formas tremendas e vence e cura males julgados invencíveis. Como lisina, que escorre pelas veias corrompidas dos corruptos e, lentamente, dissolve as bactérias responsáveis por tal corrupção. As palavras são prostitutas da linguagem, suas reféns. Podem ser penhoradas. Uma palavra errada e estamos nas mãos do inimigo. E a prostituição continua. E se hoje já se concorda em discordar, porque não concordar na escolha da ausência de apresentação de qualquer consonância ou dissenção?

Falam-se de valores, de princípios. Quais? Onde? Não os vejo. O que é feito da honra? E vergonha? A sociedade tem as suas regras de conduta, os seus regulamentos sociais, sancionam as regras, recompensam os que obedecem e punem os que delas se afastam. Por isso, todos aquiescem, com medo de represálias, por falta de arbítrio, por conformidade, porque na hora da verdade, os pavões perdem o brilho das suas penas. É pena... Passamos do silêncio dos inocentes para o silêncio dos indecentes. Deixa de haver oposição, de facto, nunca existiu oposição. Existiu uma representação cómica e alargada, através do uso de meias-palavras, de frases (des)feitas. Por vezes, o cómico é substítuido pelo drama, este também alargado, barulhento, ruidoso, que ofusca, confunde, (des)ilude e perde-se no ar. Quando chega a altura de assentar, nem se vê a poeira... E tudo o vento levou.

Are you such a dreamer
To put the world to rights?
I'll stay home forever
Where two and two always makes five

I'll lay down the tracks
Sandbag and hide
January has April's showers
And two and two always makes five

It's the devil's way now
There is no way out
You can scream and you can shout
It is too late now
Because!You have not been
Payin' attention
Payin' attention
Payin' attention

I try to sing along
But the music's all wrong
'Cause I’m not
'Cause I’m not
I swat 'em like flies
but like flies the buggers keep coming back and NOT

But I’m not
All hail to the thief All hail to the thief
But I'm not But I'm not
Don't question my authority
or put me in the dock
'Cause I'm not' Cause I'm not
Oh go and tell the king that the sky is falling in
When it's not
But it's not But it's not
Maybe not Maybe not

Radiohead - 2+2= 5


3 Comments:

Blogger Gonçalo Franco said...

estou certo de que te ler não estupidifica ... :)

6:38 da tarde  
Blogger Tokitoka said...

:-) Eu sei que o pessoal gosta mais de cenas que entretêm. E, para mim, estas coisas também fazem parte do entretenimento. Ocupa a nossa mente, distrai e faz-nos pensar ou repensar em velhos e tão actuais tópicos/realidades. É a nossa vida,todos os dias, não é? Em casa, no trabalho, com os amigos...

Saudades tuas, tenho eu...

11:25 da manhã  
Blogger Gonçalo Franco said...

Não querendo entrar em compitições... A tua saudade de mim não será maior que a minha de ti!

6:33 da tarde  

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