terça-feira, janeiro 16, 2007

De 3º para 4º grau

Pensei que devia haver uma sequela ou ser pelo menos uma mini-série de 2 episódios. Então, lá voltei eu na sexta-feira, pensando que a iria encontrar. E encontrei... e correu bem! Quando lá cheguei, ela avistou-me ao longe e acenou. Fiz-lhe sinal para que viesse ter comigo e ela pediu-me para aguardar. Quando ela se despachou, foi lá ter comigo, cumprimentou-me e eu dei-lhe um saco, dizendo que sabia que no dia anterior, quando lá a tinha visto, era o dia de anos dela, mas que tinha sido tudo tão rápido. Ela ficou muito contente por ainda saber o seu dia de anos e por lhe ter levado uma prenda. E como prenda, pensei eu, em casa, teria que ser algo intímo e "único". Que a levasse numa retrospectiva dos tempos passados e que mostrasse uma porta aberta para o presente e futuro. Sendo o presente, sempre o futuro de algo passado.

Tinha uma caixa vermelha, média, forrada num vermelho escuro, a tafetá, com uma pequena imagem, em formato de moldura no exterior da caixa, de gladíolos, flores cujo atributo é serem um desafio ao coração. No interior da caixa, coloquei flores secas, várias, pequeninas, uma rosa que um amigo muito viajado e amado, me ofereceu no seu aniversário, em 2005, dois dias depois do meu casamento, coloquei uma vela cheirosa, que vinha dentro de uma lata muito bonita e selada, perfumei o interior da caixa com um dos meus perfumes preferidos e que usámos os dois, eu e o Rodrigo, no nosso casamento, coisas sem as quais não passo e que me seduzem. As flores pequeninas, estavam, anteriormente, numa taça, com uma foto da minha mãe e um poema de outra pessoa que me toca bem lá no fundo e que só o facto de ela existir na minha vida, me dá mais um pouco da paz que tento construir, dia após dia. Esta taça, com todo o seu conteúdo, era o "meu" altar para a minha mãe, que também, o altar, é algo que se constrói e evolui constantemente. E partilhei-o com ela, pois ela acompanhou-me muitos anos, ainda a minha mãe era viva e partilhou diariamente o mesmo espaço que eu partilhava com a minha mãe e que, tal como a minha mãe, esse espaço e tudo e todos os que lá passaram, por bem ou por mal, fazem e serão sempre parte de mim.
Ainda acrescentei uma foto do meu casamento, com uma breve mensagem de carinho, num envelope aparte, pois não cabia na caixa e melhor postal que este, não imagino. E dentro da caixa, pus uma foto dela, de há 15, 16 anos atrás, tirada na Fortaleza de Sagres... com o mar como "wallpaper" e a imagem dela, inocente, de leggings (que já existem há tantos anos...) e uma t-shirt do Tintin.


Uma foto intemporal, tirada num dia deliciosamente cinzento, de acordo com a vida e os seus vários tons de cinzento... Foi um fim de semana de loucura despreocupada,"cinzento bem clarinho", em que eu trabalhava num restaurante chinês (com os maiores forretas do mundo!!!!). Ela e outra amiga da altura, tinham ido numa excursão com a nossa escola secundária e eu queria lá estar com elas. Então, no fim do dia, de trabalho, cheguei ao pé dos catolico-forretas-praticantes e despedi-me. Recebi, sei lá, 60 contos ou algo assim, metio-os no bolso e parti para Lagos! Passámos um dia, julgo eu e uma noite, na Pousada de Juventude de Lagos, na altura, bastante desconfortável e num clima de insanidade recomendada por qualquer médico que tenha uma faceta humana e um ex-sou-jovem-e-livre-e-o-mundo-é-meu dentro de si, sempre a espreitar cá para fora. Nesse fim de semana, no fim, elas partiriam sem mim e eu fiquei a gozar do ar e vento frio de Lagos, da tão minha e confidente Praia da Batata e das noites passadas ao relento na praia ou fazendo companhia à controversa estátua de D. Sebastião. Será por isso que quero ter um filho chamado Sebastião?!

Ou seja, achei que aquela caixa ia trazer boas recordações, cheiros agradáveis, continha um pouco de mim, dela e das duas, em conjunto... Nem sempre o que é desfeito não pode voltar a ser refeito. Ninguém é perfeito. Talvez seja esse o segredo da vida. A procura da melhor imperfeição possível que faça frente à inatíngivel perfeição que, no seu peso como adjectivo, também deverá ser lembrada no seu sentido figurativo. É um barómetro, mas não é a meta final. Que tal tentarmos ter uma vida perfeitamente imperfeita? Do género, é esta mesma, está quase lá, com um remendo aqui, outro ali e serve, perfeitamente.Como aquelas calças de ganga que temos, que já deviam ter ido para o lixo... :)

Literalmente em período de saldos, saldei mais uma dívida com a vida, resgatei mais uma parte de mim, e venha o futuro como vier, com mais ou menos brilho, o seu luzir anterior continuará cá, tal e qual a estrela ou as decorações que pomos, de ano a ano, no topo da nossa árvore de Natal. No meu caso, é mais uma figura do meu presépio imaginário, que se perpétua ao longo dos tempos e como todas as figuras dos presépios, vai sendo remendada, de ano a ano e só a muito custo nos separamos delas...

Foi bom, lavei mais um pouco da minha alma, falámos até ao fim do seu turno, da minha vida, da dela. Gostei de sua sinceridade sobre a sua vida, não embelezou nada, pôs quem de direito num pedestal, a sua filha de 7 anos... e, de vez em quando, lá terá um espacinho para mim, talvez dentro de uma caixa cheirosa.

E lá ganhei um pouco mais de ânimo e energia para os meus dias, tão distintos e inseparáveis.

2 Comments:

Blogger eloi said...

És bonita!

[adjectivo]
1. agradável à vista, ao ouvido ou ao espírito;
2. formoso; belo; lindo;
3. generoso;
4. bom; vantajoso;
5. nobre;

9:56 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

vir aqui, não é como estar contigo aí, a jantar, a conversar...
mas é o mais próximo que tenho disso.
Aqui, além disso, sou transportado para uma realidade que não é só tua... Porque a tua de alguma forma me trasnporta à minha... E fico assim, perdido nas palavras... Entre a tua caixa, a estátua de s.sebastião e tudo o que é e foi meu. Transformas assim a tua, na minha vida...

8:48 da tarde  

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