sexta-feira, dezembro 22, 2006

X-mas,Nöel,Weihnachten,Natale,Navidad...

e por aí fora... se vão repetindo estas frases, com alegria, com entusiasmo, com pesar, com rancor, com tristeza, com frio, com brio, em lugares longínquos, numa esquina bem perto de nós, contudo, com um ar tão remoto, invisível. E ponho-me a pensar, coisa rara em mim... o que é que há para dizer sobre o Natal? Tudo e nada. Mas o nada, interessa-me mais, pois contém tudo. É como o preto e o branco que, erro meu, são as cores oficiais do Natal cá em casa, a ausência de cor e as misturas de todas as cores.

Dizem alguns peritos que, se uma pessoa for encerrada numa sala de cor violeta/roxo, estando ela também toda vestida de roxo, que esta ficará deprimida. Acontecerá mesmo? E eu que ultimamente ando numa de violeta ou roxo, chamem-lhe o que quiserem. Curiosidade: Violetta, é também um instrumento de arco e quatro cordas, de timbre velado e melancólico. Bem... O violoncelo, também pode ter um timbre melancólico, mas neste momento, em que me encontro um pouco melancólica, I confess, ouço os deliciosamente melancólicos concertos para cello de Bach BWV 1007/1009/1011 e acalmei, tal e qual uma criança que adormece a ouvir um conto de fadas, no colo de sua mãe ou do seu pai. Melancólico, por vezes, deveria ser também sinónimo de bonito, de beleza, de calma.

E uma pessoa que não seja enfiada numa sala, seja ela roxa, que não esteja vestida de roxo, ficará ela deprimida? Deprimida por não ter uma sala, seja ela roxa ou amarela, por não ter o que vestir, seja a roupagem roxa ou encarnada, por não ter onde estar, seja numa sala ou numa esquina perto de nós, visível a todos os que por ela passam e a saúdam... Será isto também o Natal? A altura em que todos, supostamente ou obrigatoriamente, nos lembramos de todos aqueles de quem gostamos e detestamos mas que, tal e qual lista de casamento, irão constar da nossa infindável lista de presentes?
Temos cerca de 25 crianças na nossa família... (ia jurar que a televisão já havia sido inventada pelo menos há mais de 31 anos! Há falta de entretenimento, pessoal?! :-) Mesmo que se diga, "só vamos oferecer prendas às crianças", estas são cientifica e literalmente mais do que as mães, e os pais, e os avós, e os tios... E, durante dias e dias, as palavras mais ouvidas são - verde código verde! Roxo código roxo, seria uma boa alternativa! Fico realmente "deprimida" com o dinheiro que se gasta. Porquê? Sinto um prazer enorme em comprar as lembranças para os putos que, by the way, são adoráveis. Mas o que é que faz com que me sinta triste, culpada? Será a falta de sentido que, apesar de tudo, da vontade e adoração que tenho por eles, não consigo encontrar nestes rituais? Sim e não e muito mais.

É aqui que entra o "nada" do Natal. Nada me faz sentir tão angustiada e mal comigo mesma, quando compro coisas, quando passeio livremente pelas ruas e vejo que as pessoas reparam em mim, ainda que reparem, muitas vezes, com malícia, com inveja, mesmo não conhecendo a minha vida, o que passei ou não. É perigoso desejar ter a vida dos outros sem a conhecermos e a termos experimentado algum dia. Experimentem fazer vida de sem-abrigo, se é que é algo que se experimente e se é que isso é vida. Experimentem passar noites e noites ao relento, com a única certeza que amanhã vai estar frio ou ainda mais frio. Experimentem despojar-se dos vossos computadores e telemóveis e meter conversa com o 1º estranho que vos apareça à frente e vejam quão calorosamente ou não, este vos acolhe. Melhor, experimentem fazê-lo com o vosso traje mais humilde, aquele que usam para fazer limpezas ou pinturas em casa. Em suma, como seria sermos invisíveis? Passar totalmente despercebidos no meio da multidão? Seria agradável? Algo me diz que não. Porquê? Como dizem os espanhóis, no pasa nada... E ainda assim, muito se passa pela cabeça dos fantasmas que não vemos todos os dias. Pelo menos, por alguns desses fantasmas, passará o seguinte "pedido": e quando é que isto acaba? É triste, mas existe.

É difícil encontrar, por mais incrível que vos pareça, palavras de alento, poéticas, para este dia que está a chegar e nada despercebido. A realidade acima "descrita", que todos conhecemos mas nem todos experimentamos, faz parte da minha vida. Acordei a chorar, pensando nela. E não estava vestida de roxo, nem numa sala pintada de roxo. Estava bem aconhegada, no meio de almofadas, num quarto à maneira e "decorado" com prendas. Mas, mesmo assim, faltava algo. E algo enorme. Paz de espírito. Já tenho muita; mas é tão difícil ter a conta certa... E a "prova dos nove", é que tenho um irmão sem abrigo. Imaginem como será o seu Natal. Eu não consigo e custa-me ter de fazer esse exercício. Mas, por respeito, por ele, e para manter a minha integridade, faço-o, mantendo a minha sanidade, a minha inteireza, a mimha lealdade para com os meus fantasmas, porque todos temos fantasmas e temos que aprender a viver e conviver com eles. Se não, é impossível viver em paz, ainda que a paz não seja só uma e esta varie de caso para caso. Seria uma paz suja. A minha, não é uma paz comprada, nem regateada, tem sido conquistada, mas ainda há um longo caminho a percorrer, muito roxo pela frente, adivinha-se. Mas consigo aguentar com ele, o roxo. Aliás, os acessórios roxos ultimamente adquiridos, devem ser uma maneira de ostentar as bandeiras do inimigo, relembrando-me todos os dias que há muito para desbravar e conquistar. E isto, não é nada. Comparado com outras lutas, é coisa de putos. Mas o que é a vida, senão uma luta constante por coisas miudinhas, pequeninas? Os tais pequenos pormenores, os detalhes que quase ninguém vê, a luta de bastidores que, não estando à vista, definem tudo? Ou nada...

E é nestas coisas que vejo e revejo o Natal. Mas com uma nuance... para mim, é Natal todos os dias... cada vez que inspiro e expiro, cada vez que espirro, cada vez que levo uma garfada à boca, cada vez que solto uma gargalhada, cada vez que conto uma piada, cada vez que me vejo numa encruzilhada por causa de "dá cá aquela palha". Ou seja, cada dia que efectivamente vivo, porque tive a sorte de nascer neste lado do mundo, a sorte de conseguir lutar para sair do fundo, tive a sorte de, pacientemente, aguardar pelas coisas boas que iriam chegar sem aviso e que pediam que eu as tomasse como minhas, sem ter nenhuma pista que me levasse a pensar em tal coisa, porque tive a sorte de entrar numa sala roxa, passar por ela, sair e pensar, mas que cor-de-rosa tão giro... E uso a palavra sorte, porque acredito que muito depende de nós, mas uma parte igualmente grande, não está nas nossas mãos. E é por isso que tento aproveitar a vida ao máximo. Sei que muitas vezes perco tempo e energia com coisas ou com pessoas que não merecem o meu tempo (não que o meu tempo seja precioso ou eu preciosa). Não porque elas não sejam merecedoras seja lá do que for, mas porque não estava talhado eu estar, sentir, ouvir, lutar, regatear, divertir-me, whatever, com elas. Temos caminhos diferentes e eu é que fiz com que esses se cruzassem ou não se descruzassem. Deveria ser mais invisível, às vezes. É verdade. Às vezes dá jeito, ser invisível. Mas é só às vezes. Se formos invisíveis, por opção, o que vemos no espelho de manhã? Nada...

Eu vejo o meu irmão, vejo a minha mãe, vejo outro irmão que também já se foi, vejo a enorme família da qual tive que escolher não fazer parte, vejo a nova família que ganhei, vejo dilemas semelhantes na família velha e na família nova e vejo-vos a todos, todos os dias. E penso. Penso nos filhos que vocês irão ter, penso nos filhos que já têm, penso nos filhos que não puderam ter, penso nos filhos que gostavam de ter, penso nos filhos que vocês não querem ter, penso nos filhos que não tenho, penso nos filhos dos outros que eu tenho e penso nos filhos das mães que já partiram... E? Nada. A vida continua, com pelo menos uma coisa em comum: somos todos filhos de alguém.

E para não vos deixar sem uma definição ou significado de Natal, para mim, hoje, dia 22 de Dezembro, é Natal. Há 29 anos, nasceu mais um filho de sua mãe. E que mãe, e que filho... Este último, tem andado pelos caminhos mais sinuosos e, intrepidamente, se afirma e insiste em existir. Como armas e defesas, usou e usa algo muito valioso que, por vezes, muitos de nós afirmamos ter e ser mas, na hora da verdade, recuamos: a certeza de quem se é, de quem se escolheu ser, porque sempre o foi e, quem nós somos, ninguém pode apagar. Porque está dentro de nós, cuidadosamente desenhado. Cogito ergo sum. Ele sabe quem é. Sempre o soube e tem lutado e irá continuar a lutar para continuar a ser quem é, against all odds. Por isso, hoje é Natal. Esta razão basta. Esta data, a celebração do nascimento desta pessoa, basta. O seu nome? Não interessa. Poderia ser qualquer um de nós e continuaria a ser algo único. Um feito digno de ser comemorado, a self portrait do actor deste feito. O dia em que um Eu, decidiu ser "O Eu". Dia 22 de Dezembro, é indubitalvelmente, Natal. Também poderia ser 25 de Abril. Porque, sem dúvida, nesse dia, nasceu alguém cujo desafio e objectivo de vida, era revolucionar-se, dar o grito de Ipiranga e desbravar caminho. E assim o tem feito. Ele não vai ler isto; mas o que importa, é que ele sabe o que eu sinto por ele. E mais nada.


Ecce Homo

Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.
Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.
Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,
Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.

José Carlos Ary dos Santos

p.s - e lembrem-se, o que engorda é o que se come entre o Natal e o Ano Novo... E obrigada a quem de direito, por fazer parte da minha vida. É a melhor prenda que alguém jamais poderá ter.