sexta-feira, janeiro 12, 2007

Encontros imediatos do 3º grau


Ontem tive um desses encontros... Mais concretamente, foi um encontro de 3º piso. Com quem? Com uma ex-amiga. Não soa estranho esse termo? Como é que é possível duas pessoas serem tão intímas num determinado período das suas vidas, passarem em conjunto por coisas de adolescentes, pelos 300 primeiros amores à 50ª vista, pelas mudanças de corte cabelo parolas, pelo 1º par de calças da moda, pelos trocos pedinchados à porta da escola, para comer um daqueles bolos que enche e gastar a maioria do dinheiro em matrecos? A 1ª vez que ela chora no meu ombro porque a vida dela é uma merda, tal e qual a da qualquer adolescente? E os projectos que planeámos juntas, ir para a faculdade, viajar, ir a sítios, só ir... E os planos, pensámos a qualquer hora do dia, no lugar do costume, num banco jardim, numa rua de Lisboa, de Campo de Ourique... Lembro-me de ligar-lhe para trazer-me lanche ou jantar... uma sandes com banana e batata frita, um manjar de Deuses, de uma princesa para outra. A vida é feita de pequenos prazeres e gestos que marcam. Esse sim, era o verdadeiro room service.

Mas, um dia, no sítio do costume, uma de nós cresceu, assim de repente. Queria realizar os seus planos todos de uma só vez, usar "aquela" cartada, o trunfo na manga, parecia tudo tão fácil, rápido, indolor, tão preciso como os movimentos da mão de um cirurgião: assinala, mede, marca, faz uma incisão, abre, limpa, sucção, aspira-se ainda mais um pouco e já está, é só coser. A deep but clean cut. O cirurgião sai da sala. Silêncio. Ouve-se a "melodia" e "ritmo" de algumas máquinas, o chão com panos ensanguentados, luvas de borracha e máscaras decoram a sala e pingos de suor dos experts dão o toque final à sala: o toque de: algo de genial aqui aconteceu. Naquela tábua de ferro estiveram deitadas várias pessoas e nem todos saíram para o recobro. Mas uma delas iniciou uma nova vida. No strings attached. E a partir daí, foram saindo os últimos vestígios da vida outrora vivida, caem os pontos e está tudo como novo.

Os que não saíram da fria tábua de metal, recuperam, com espanto e nunca desejando mal à paciente com sua nova pulseira no pulso. Ela, a (im)paciente respira mas de forma ofegante. É o suspiro da nova vida. Pensamos todos. Mais tarde, descobre-se que era um bloqueio, um entupimento, causado por uma pinça esquecida dentro do seu corpo. As coisas estranhas que acontecem às pessoas mais normais. Bem, mas a operação era irreversível e daquela sala esterilizada, mas pelos vistos, incompleta, saiu um adulto:

- Boa sorte, disse-lhe o médico ainda no recobro.
- Boa sorte para o quê? - disse ela.
- Daqui para à frente, quando sair lá para fora toda a sua vida vai mudar. Não era essa a operação que desejava: remoção de qualquer traço de adolescente e a construção de um adulto comum?
- Era, disse ela - ainda um pouco sobre o efeito de sedativos.
- Então, aqui tem! O seu seguro cobre esta operação, o resto, irá recebendo a factura, em várias partes, até ao fim da sua vida, como fragmentos de uma fractura. Humor médico! (solta uma gargalhada) Mas sabe, por um determinado preço, também podemos dar um jeito a isso.
- A quê, às fracturas? - afinal ainda estava muito sedada
- Não, às facturas! Que tal como as fracturas, serão sempre suas, para efeitos de IVA (Impossível Voltar à Adolescência) Não está isenta, claro. Isto não é para todos. Ainda... E é uma maneira de se ir relembrando desde grande dia! Certo?
- Não sei.. Pensei que me acompanhavam para o resto da minha vida... Tenho medo.
- Sossegue... Não iremos lá estar todos os dias, mas outros colegas nossos, de outro ramo, na hora certa, irão tratar de si. Se quiser, damos-lhe já o contacto deles. Gostamos de pessoas como você, decididas e esclarecidas. Foi um prazer transformá-la! Ai, adoro a minha profissão. Isto merece um charuto cubano!

E foi assim como se acabaram os manjares dos Deuses, as mensagens secretas e os olhares de cumplicidade, os abraços e gestos simples de amor e amizade, as frases inconsequentes que dizíamos uma à outra, sabendo sempre que, no dia a seguir, lá estaria uma à espera da outra. Mas, afinal "there were some oysters"... em português, afinal havia outra e a vida, às vezes, é lixada. E por vezes, somos nós que a lixamos. Mais tarde, descobriu-se que os sons da sala de operações, eram já das f(r)acturas a sair... E o trunfo na manga, era um Joker. Palhaçada... "Cause the joke was on me..."

E ontem, passados, sei lá, 10 anos sem a ver, esbarrou em mim. Ela veio na minha direcção, num dos sítios que mais detesto, o El Corte Inglés, talvez por estar cheio de pessoas que, a dada altura, também acharam que era altura de mudar e, oops, I did it again. Eu estava na minha, a ouvir música, "feel free", estou viciada nesta e na voz dele. Ouvindo Mozez...tudo tão biblíco. Penso em passar lá hoje e deixar-lhe algo, talvez uma foto nossa, antiga, de há 17, 18 anos atrás. A vida pode estar cheia de coincidências, mas esta, naaaa, queria dizer algo. Talvez o "closure" que não exisitiu e o tempo foi passando e "crescemos", espero eu. Porque ontem, era o dia de anos dela... E as suas feições, não eram de celebração.


You can change any man
You can change any man
A friend
A tragic end
You can change at any hour
Change the colour of a flower
You can change at any hour
Change a song that needs a change
You can change of opinion everyday
You can change all the rocks you find in your way
Change your mind
Change your life
Change the changes
Change the chances

You can change your shoes
You can change your blues
You can change the colour of your soul
Change your friends
Change your lens
But you know your heart you can't change
Change
You can change the world
You can change a lot more
You can change the girl who lives next door
Change your eye
Day and night
Change your eye
Day and night
You can change your shoes
You can change your blues
You can change the colour of your soul
Change your friends
Change your lens

But you know your heart you can't change
Change

The Gift

And by the way, you can't change any man. Just "the" man. The one who doesn't live in a can(m), his can(m).

4 Comments:

Blogger taizinha said...

Não sei como aqui cheguei, também não interessa... Gostei tanto! Li de um "trago". Posso voltar?

7:42 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eu cá já gosto da Tainzinha :D
Nesse tipo de encontros de 3º, ou coisa que o valha, há, por um lado, sempre aquele feeling do... não me apetece. Mas por outro uma curiosidade... É sempre uma surpresa... Boa ou má!

12:31 da tarde  
Blogger Tokitoka said...

Sim, claro que podes voltar. São simplesmente coisas que sinto e que me passam pela cabeça. Hoje não sei se terei tempo, mas ontem fui ter com ela ao seu local de trabalho. Depois conto.

Volta, Amiga! :-)

1:15 da tarde  
Blogger eloi said...

Eu também acho que estes encontros não são casuais, que são uma partida do destino para nos fazer chegar ao tal "closure" que mencionaste!

Beijinhos exportados directamente de Milão! ;)

2:46 da tarde  

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