quarta-feira, maio 16, 2007

Cadeia de sentimentos

Estou exausta. Parece que não durmo há dois, três dias... Hoje, terça-feira (o dia para mim ainda não terminou...),tive a audição final, deste ano lectivo, de canto, sendo, no meu caso, este o meu instrumento no conservatório de música. Ontem, segunda-feira, o dia foi "normal" - acordei tarde...tive uma aula particular de canto(funciona mais como a minha "terapia", pois somos acima de tudo amigas);se não estou enganada,a Rosário, fará 80 ou 81 anos, dia 12 de Junho e é cá uma Mulher! Que garra, que genica, exala confiança,reflecte respeito e exige seriedade. É um dos lemes da minha vida. A aula foi normal, ou seja, falámos durante 35 minutos,ensaiamos durante 10 minutos...e a aula, tem uma duração de 30 minutos.

Lunch time - local habitual,envolvendo os suspeitos do costume. À tarde - estudar para o curso de DJ e Produção ao fim da tarde; à noite - duas horas de curso de Teatro. Dia preenchido.
Grupo reduzido no teatro, o pai de uma colega, falecera. Produzimos imenso, trabalhámos muito.Um dos temas centrais da peça,são as últimas horas de uma "Encamada", moribunda, representada, pela colega ausente...Chegada a casa, vejo um pouco de televisão,trocam-se pequenas conversas entre os Mansos,o tempo passa e amanhã, "vai ser outro dia". Será?

Já é terça de madrugada. O meu sono era pseudo-pesado(raramente tenho um sono profundo), ouço o bater violento das portas dos vizinhos, da porta de entrada do prédio, o deambular violento dos seus corpos entre as quatro paredes das suas "masmorras" e penso ensonada: são loucos. Vou mas é continuar a dormir! Já é de manhã, estou tranquila. Quero dormir até ao último minuto, não estou muito preocupada. Tenho uma audição, nem sei a hora certa, aponto para um intervalo provável e faço a minha vida a partir desse cálculo. Que metódica...

8.35, ligo o telemóvel,logo o Manso deve ter acabado de sair. Lembro-me sempre do seu beijo, antes de sair de casa, do cheiro do seu perfume e, com um pouco de sorte, talvez saiba qual a gravata que está a usar... Ponho o alarme para as 10.00, corro com o Pizzi para o quintal e vou para a cama. Os vizinhos, desde de manhã que, freneticamente, organizam nada...e reviram tudo (as portas "violentas" e o batimento do seus sapatos,fazem parte da genial estratégia de represálias para comigo). Ouço os seus sapatos e imagino o cão de um filme cómico a andar de saltos num parque de estacionamento. Bem. Viro-me para o outro lado da cama. Adiante.

Pelas 10.30, recebo um telefonema. Pensava que eram notícias sobre o funeral do pai da minha colega, mas era um vocalista de um grupo de Sertanejo,estilo musical brasileiro, que quer encontrar-se comigo, para um trabalho de estúdio. Porreiro! :-)É melhor começar a treinar o sotaque e ouvir um pouco de Leandro e Leonardo, músicas que falem sobre o amor e as vacas...coisas simples e que fazem saudade a muitos. Acaba a conversa com o Juan, nome artístico de um deles e começo a pensar na audição. Deixo o Sertanejo e volto à Clássica! Já é altura, não?! Faltam...qualquer coisa como...30 minutos! Pelo menos! É o tempo que preciso para estar lá! Acho eu...

Traje para a audição: botas castanhas,saia castanha,quimono de seda castanho,com motivos de rosas e cornucópias, mangas largas e em formato de um V enorme. Parece que tenho asas. Simples, elegante e despreocupado - ou seja, comprado de propósito para este dia! Chegada lá, ao conservatório, 40 minutos antes da audição - já não é mau - ensaio 2 minutos...e, sou informada que faltei à minha aula das 9.00. Precisava de dormir, convenci-me que não teria aula, por causa da audição...
Vejo a ordem das provas e eu sou a 2ª. Vejo o reportório de todos e agrada-me. A prova é de Oratória (Handel-Messias,Bach,Fauré-Requiem),um cocktail explosivo.

Acabo por ser a 3ª a cantar,há um pequeno ajuste por razões especiais, e quando começa a 1ª da lista oficial,começa o carrossel. Pie Jesu, do Requiem de Fauré, simplesmente uma obra que mal a ponho a tocar, choro. Quem canta a seguir? A Nina. O quê? Handel. Começo a ser espancada violentamente. Sado-masoquismo... Canto compenetrada do início ao fim (durante 1 nano-segundo "saio" de mim) e continuo sempre até ao fim. Fico emocionalmente esgotada e sinto que arrastei mais pessoas comigo. Recebo os aplausos, sento-me e começo a chorar. "He was despised", cantara eu. Ária que "denuncia", alerta, anuncia o sofrimento na Cruz e enfrentar da dita vergonha e de todos os insultos. Primeiro tema da Ária, lamenta o desprezo dos homens, segundo momento, com pungência, aclamo e reclamo a Sua força e a "oferta" das Suas faces - aqui, "dou murros na mesa", "viro a mesa" e fico em suspensão com um "grito" de indignação e admiração. Subitamente e ao de leve, volto ao lamentar inicial, contudo energético, vivo. Contundente. Acabo, é permitido respirar.

Foi a melhor audição que fiz nos últimos 3 anos e senti-me de rastos. Não conseguia conter as lágrimas, chorei,doía-me a alma, mas ouvi a parte do Messias até ao fim. A minha, mais 2 árias lindas, sendo a última, "If God is for us, who can be against us"... A seguir, saí da sala e recompus-me. Os colegas que cantaram após a minha prova, praticamente todos, foram contagiados pelas minhas lágrimas. De repente, fomos todos postos à prova, mais do que musicalmente, a nível emocional, humano. Porquê a choradeira? Mal descobrira,há uns anos atrás, que a minha mãe morrera,depois de gritar e avisar quem de direito, dirigi-me à sala e pus o cd do Messias a tocar e com outra irmã minha, chorámos e cantámos ao mesmo tempo, bem alto, à medida que a dor aumentava. Hoje,terça-feira,na altura da minha audição, realizava-se o enterro do pai da minha colega,no qual acabo por estar "presente" através deste conexão e reencaminhar de emoções....Todas as contigências e exigências negativas que, neste momento, pairam sobre a minha vida, condensaram-se no momento em que cantei e entrosaram-se com/e através das vozes dos meus colegas. Uma cadeia de sentimentos... Sottovoce, a uma só voz.Mais uma vez, sou usada e deixo-me usar pela música. Por outras palavras,pus as minhas contas em dia. A vida pedia-me justificações e eu não recuei.

A audição foi ao meio-dia, lá pelas 15h, verti as últimas lágrimas. Chorei por mim, pela minha colega, com a minha colega. Os meus colegas,absorveram as minhas emoções e transformaram-nas em energia para seu usufruto. Quando dei por mim, suava. Eu raramente suo - «Os cavalos também se abatem». Eram as "toxinas" a sairem do meu corpo. Exorcizei-me.

Algures, durante esta semana, seria o aniversário de nascimento da minha Mãe. Posso dizer que, depois de ter sido feita mas sem ter sido programada, prestei-lhe hoje uma pequena homenagem e a outras pessoas. Relembrei-me, uma vez mais, da minha imortalidade e do sentido da minha vida: sentir. Seja positivo ou menos positivo, temos que sentir. Se o que sentimos tem um prazo de validade, se passa com o tempo, não sei. Sei que este tempo é outro e que surgiu na continuidade do anterior. Estão interligados,mas são autónomos. Um não impede o outro de existir. Mas para o presente existir e para um futuro sugir,o passado deve deixar de "insistir". Ou o tempo, passará a fugir...e nós, também, fugitivos e prisioneiros da nossa vida.

Agora que já levei a tareia e do camião descarreguei toda areia, é altura de ir renovar energias. A minha "caderneta" está vazia,logo,volto a ter espaço para mais cromos. Permutam-se cromos.

p.s - eu disse que parecia que não dormia há dois dias...Há dias que parece que nunca mais acabam. Mas, eventualmente, tudo tem um fim. E tudo tem uma razão de ser. Doa a quem doer.

4 Comments:

Blogger eloi said...

Fico muito contente pelo teu sucesso na audição, e aguardo ansiosamente a tua participação no novo disco dos "Reis do Sertão!!" ;)

beijinhos muitos e vemo-nos no weekend!

9:21 da manhã  
Blogger Tokitoka said...

Audição? Não ouvi nada... :-) Que dia mais comprido e excruciante.

E goza com os "Reis do Sertão"! Olha, ainda me levam ao Brasil! Como diz o Rodrigo, para fazer uma tournée pelas favelas! Eles actuam no Coliseu, no dia 26, vou lá, undercovered,numa missão de reconhecimento. :-)

Pode ser esse o meu futuro: cantar baladas para o pessoal, mas em vez de falar de arroz e feijão, falo de cozido à portuguesa e de tripas à moda do Porto! :-)Beijos e sim, weekend,numa esplanada,com algo fresco e alcoólico... Olha, foi o que deveria ter feito ontem,tomar um copo, era o que eu estava a precisar...

9:41 da manhã  
Blogger Gonçalo Franco said...

Desde muito cedo que nos uniu a música não foi...? No largo do Rato... tu levaste-me para lá...
Eu não segui esse caminho, não tive a tua força embora, naqueles tempos, tivesse claro em mim que era esse o meu caminho.
Essa é uma caracteristica que nos diferencia. Tivesse eu a tua força.

Mas há coisas que me deixam felizes na mesma... como o amor que te tenho e a felicidade, o prazer e a alegria que tenho em ler estes momentos da tua vida - é lindo pá!

8:15 da tarde  
Blogger Tokitoka said...

Gongas, faço o que posso até aonde a vida me deixar. Todos os momentos contam e terão sempre o seu peso. Quando acabar, olha, tive os meus dias e momentos. Não se pode ter tudo na vida, mas um "cheirinho" das coisas, dá uma certa pica e alegria.

Quanto a ti,não seguiste música(nunca é tarde, tens uma voz linda...) e tiveste momentos que quase nenhum músico seria capaz de viver...Levaste a tua música a sítios que nunca ninguém levaria, por gozo ou porque sim. No entanto, para mim, serás sempre o meu fotógrafo preferido. E nisso,ainda estás bem a tempo...

8:31 da tarde  

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