domingo, outubro 22, 2006

It's time to use the good china

Ontem, ao fazer zapping na TV, deparei-me com o final de um documentário na RTPN, chamado, salvo erro "Tame the beast". Penso eu que este era da BBC e estava relacionado com a grande luta contra o cancro. Falava de vários historiais de doentes com cancro, incluindo pelo menos um médico/investigador, com cancro e sem grandes esperanças. Girava à volta de um mega-hospital - recebia cerca de 150 mil doentes por dia... - e, deveriam ter um laboratório com um vasta investigação na cura/retardamento dos efeitos do cancro. Era uma cidade, o hospital. O fluxo de gente a entrar e a sair, a quantidade de pessoas que entravam nele, procurando a sua salvação, uma mão amiga, um consolo na hora de apoiar um familiar ou amigo, a esperança de um dia ouvirem dizer, como dizia uma mãe, com uma filha pequena, com cancro - "Descobri!", a cura para o cancro.

No pouco que vi, na parte final, o entrevistador perguntava aos pacientes e investigadores, se fosse feito um filme sobre esta batalha, qual seria a cena final, qual seria o desfecho, a mensagem a deixar, a moral da história. E uma que achei extremamente simples, despretensiosa, porém, com uma forte mensagem foi: "It's time to use the good china" (é tempo de usarmos "O" serviço de Porcelana). Ou seja, o velho carpe diem, ao qual acrescento aleas jacta est, a sorte ou os dados estão lançados... Quantos de nós não têm em casa o tal serviço de porcelana, para as ocasiões especiais, a tal garrafa de vinho para aquele dia, aquele vestido lindíssimo para a tal noite, o alugar o carro dos nossos sonhos, só para dar uma volta e sentir como que vendo, fora do nosso corpo, o nosso coração a bater, feliz, descontrolado, mas feliz. E quantos de nós quando usámos pela 1ª vez, ao fim de 2 anos, o tal serviço de porcelana, partimos logo um prato de sopa e partiu-se, ao mesmo tempo, o nosso coração, ou vestido que passado duas semanas já não nos serve, ou a o vinho, que apesar de passado algum tempo, ser esperado que envelheça e enlouqueça os nossos sentidos, azedou... com tanta espera, azedou de tédio...

A vida é feito de pequenos pormenores, de pequenos símbolos, de imagens desfragmentadas, que vamos colando ao longo dos tempos, um puzzle de milhões de peças quem quanto mais cedo começarmos a construir, ganhará algum sentido. É um aperto de mão que se dá a um desconhecido e nos causa tamanho arrepio, é o encostar a cara no vidro de um autocarro, exactamente no mesmo sítio onde milhares de pessoas já enconstaram as suas caras e se deixaram levar pelos seus pensamentos ou, simplesmente, dormitaram um pouco, até ao seu destino, até mais uma paragem, um ponto de saída para eles, um ponto de entrada para muitos outros. Passamos tanto tempo a representar, a tentar que tudo seja perfeito, a fazer "marcações", como no teatro: este fica aqui, aquele senta-se ali, a tia Vitória não pode ficar ao pé da prima em segundo grau Desforra, porque corremos o risco da mãe Esperança ficar verde de inveja, por em tempos ter sido a melhor amiga da sua sobrinha Desforra, quando passavam longos Verões, nas ruas calmas e acolhedoras de Beja, moradia da avó Lembrança...

Aquela mancha de suor ou de gordura, que encontramos no vidro da janela do autocarro, teria tanto para nos contar... Tal como o serviço de porcelana, quando usado vezes sem fim, guarda nos vestígios, nas marcas de tanto ser usado, histórias sem fim, de amor, de tragédia, de comédia, de desespero ou de longos momentos de silêncio, em que não se dizendo uma só palavra, vive-se. O tempo pára, como pura magia, mas a nossa vida avança. E o que é genial, é que quando este, o tempo, recomeça a andar, temos mais uma oportunidade de fazer a nossa vida avançar. Pois o tempo é relativo, mas nós, seres vivos, seres humanos, racionais e emocionais, não somos assim tão relativos. Somos membros efectivos da nossa vida, somos gestores da nossa vida, inventores do nosso passado, criadores do nosso futuro. E o futuro, é hoje. Como já dizia aquele "velho" e ambíguo filósofo português, mais ou menos com estas palavras, "é para amanhã, bem podias fazer hoje"... Ao vê-lo, uma vez, a entrar para um táxi, a minha já extinta Mãe, que tinha bom gosto, não pensou duas vezes e pediu-lhe um autógrafo. Foi um momento giro, para nós as duas, a fedelha e a velhota e penso que também para o "barbudo" (desculpem-me os dois, caso não gostem da escolha dos termos, podem sempre comentar...).

E é assim, que vamos vivendo. E morrendo...