terça-feira, outubro 10, 2006

Oh, doce prisão...



Pode alguém realmente dizer que não acredita em nada? Que é ateu? Que não crê que as coisas maravilhosas do mundo, tenham sido "criadas", erguidas, não como que por magia, no meio deste caos? Admitamos, somos seres, ou procuramos ser, independentes e autónomos e somos. Não em tão grande quantidade quanto se julga... Mas, por vezes, por mais decisões que tenham tomado, não sentem que a vossa vida vos foge das mãos, ainda que esta se dirija para um caminho, ao olho nu, mais belo e glorificante? E quando lá chegamos, à beleza e glorificação desejada, sentimos uma força invisível, que nos empurra e nos faz avançar, pensando nós: mas não era isto que eu desejava? Não era tudo tão claro e estava tão decidido, porque é que, mesmo assim, "sinto que sinto" algo a encaminhar-me? E ao fazer esse caminho, sinto, uma vez mais, sinto, uma imensa complementaridade que, estranhamente, chega com uma subtil sensação de ardor, de paixão, que nos consome intimamente, mas que nos faz reluzir e ser alvo de inveja aos olhos do transeunte desinformado? Do viandante, do peão que caminha e ao ver tal luminosidade pensa, eu também quero aquilo mas, algo me diz que dá algum trabalho e é necessário muito tempo para se alcançar tal estado de "paz"? - questiona-se, sem saber o que se passa realmente...

É esse o efeito da música em mim... Não consigo viver sem ela e acho que ela não consegue viver sem mim. Que arrogância, da minha parte. Talvez... mas o que é a música se esta não for tocada, cantada, composta, "arranjada", ouvida, partilhada... Rabiscos em pedaços, em resmas de papel? Seria uma forma de vida sem qualquer ambição, sem qualquer pretensão... seria uma praia paradisíaca, sem um único ser vivo a respirar e a sobrevoar, tal ilustre paisagem. Até o eco das palavras de um longo monólogo, faz com que estas ganhem uma vida que não seria vida, se não fosse acompanhada da sua sombra, do seu eco. E, por vontade própria, emancipei-me através da música, das várias maneiras possíveis. E, ainda assim, me considero sua prisioneira, sua seguidora, faço parte do seu "rebanho". Dou tudo para ser a sua ovelha negra, a sua meretriz, a sua Maria Madalena e recebo com todo o gosto todas as pedras até hoje atiradas e "visto", sempre que a ocasião sugere, a coroa de espinhos que esta traz consigo: a ameaça de um dia deixar de a possuir e por ela ser possuída. Esse dia, o dia em que o silêncio instaurar-se-á e descobrirei, ou não... se a tal mão que sinto que sinto... sempre esteve lá, ou não... Até lá, continuo crente. Creio que, ao ouvir a abertura do Requiem de Fauré ou o Ave Verum de Mozart a 4 vozes, choro...certamente, porque algo maior do que eu existe e sinto e vejo tal grandiosidade, jorrando pela minha face com tímidos contornos a lápis de carvão que, denunciam, levemente, a escuridão da minha face e o entrosar confuso do meu ser visceral...